OPORTUNIDADES E DESAFIOS DA QUARENTENA PARA FAMÍLIAS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
AUTORA: Rosalina Moura – Psicóloga, terapeuta familiar, especialista em estresse. CRP 06/41867-1
A necessidade de afastamento social trouxe os escritórios e as escolas para dentro de casa, ao mesmo tempo em que funcionários domésticos, quando havia, foram dispensados. Esta realidade impacta de forma significativa na rotina e na vida das pessoas e requer novas formas de organização familiar. Embora o momento seja difícil e desafiador, as famílias estão diante de uma excelente oportunidade para fortalecer conexão interpessoal e trabalhar a empatia.
Diante da pandemia constatamos de forma ímpar e paradoxal que estamos todos conectados. Mais do que nunca somos chamados a olhar para o lado, para o outro, nos conscientizando da necessidade de união e de assumirmos a responsabilidade por nossas escolhas e comportamentos. Estamos diante de uma excelente oportunidade para semear em crianças e adolescentes valores e atitudes colaborativas e responsáveis, que contemplem o coletivo e sejam menos individualistas. Esse aprendizado devemos levar adiante na vida, que nunca mais será como antes.
Na quarentena é importante que fique claro o papel e responsabilidades de cada um na casa e na família. Muitas vezes o individualismo, a dependência e a passividade dos filhos são reforçadas de forma inconsciente pelos pais, por meio de atitudes superprotetoras que subestimam a sua capacidade de cooperar ou de lidar com a frustração de não ter os seus desejos atendidos imediatamente e fazer o que deve ou precisa ser feito naquele momento. Como dizia Freud, é o Princípio do Prazer x Princípio da Realidade. Para o desenvolvimento psíquico e social é importante aceitar e lidar com o fato de que o mundo não nos atenderá em nossos desejos e que todos temos direitos e deveres. Determinadas coisas precisam e devem ser feitas, independente da vontade.
Regras e limites podem coexistir com afeto e participação na vida dos filhos. Precisamos cultivar o hábito de conversas em família, criar oportunidades de debater saudavelmente opiniões e visões. Conversas sobre a importância de passarem por esta quarentena de forma harmoniosa pode fazer diferença. É importante que nas rotinas haja tempo para a família fazer ao menos uma refeição junto. Podemos aproveitar esta fase para nos conectarmos mais conosco mesmos, com nossos familiares, com nosso parceiro/ parceira e com nossos filhos. Novos hábitos podem ser criados. De início poderá haver resistência da parte das crianças ou adolescentes, mas aos poucos passará a ser mais natural. Relacionamentos verdadeiros e conexão profunda são frutos de uma construção trabalhosa, mas que pode ser feita de forma amorosa, gentil e constante.
Em uma casa todos devem colaborar com as tarefas que são de interesse e benefício comum e isso deve fazer parte do cotidiano e da educação das crianças e jovens, não apenas nesta fase de quarentena. Crianças muito pequenas desde os 2 ou 3 anos são capazes de guardar parte dos seus brinquedos e devem ser estimuladas a participar de tarefas simples como tirar a mesa, auxiliar na cozinha, dobrar roupas, pendurar roupas em varal baixo, se vestir. Quando apresentado de forma lúdica elas se divertem enquanto participam do dia a dia da casa. Na medida em que desenvolvem novas habilidades é desejável que adquiram mais responsabilidades e autonomia. É importante que os pais não exijam “perfeição” e valorizem o interesse e esforço da criança. Se a criança ou adolescente nunca cooperou antes o processo deve ser feito aos poucos, gradativamente (para gerar menos estresse pois este já está elevado) por meio de conversas que apostem na capacidade de cooperação das pessoas da casa. Os pais devem ficar atentos para não subestimar ou superestimar a capacidade dos filhos. Podem ser delegadas tarefas mais simples inicialmente e aumentar gradativamente a quantidade e complexidade de acordo com a idade da criança, suas características e habilidades. Criar rotinas, definir horários ou períodos do dia para as tarefas e criar uma tabela conjunta de atividades são ideias que podem ajudar. Dependendo da quantidade de filhos é possível fazer um revezamento nas atividades, respeitando as suas capacidades e interesses quando possível, de forma que seja justo com todos. Quanto aos adolescentes, além da participação nas tarefas comuns eles devem ficar responsáveis por organizar e limpar o seu quarto. É preferível que os pais interfiram minimamente nesse espaço quando não for compartilhado, exceto quando potencialmente representar risco à saúde ou segurança, como questões relacionadas à limpeza e higiene básica.
Adolescentes podem lidar muito mal com o isolamento minimizando os riscos do contágio ou ficando hipervigilantes, reagir com irritabilidade acentuada, impulsividade e raiva. Podem buscar refúgio nas telas/ smartphones de forma não saudável e passar muito tempo na internet. Estudos comprovam que buscar alívio para a angústia acessando redes sociais online aumenta a ansiedade, piora o sentimento de solidão e afeta negativamente o humor.
Todos estamos mais sensíveis e vulneráveis emocionalmente. É importante atentar para as necessidades e limites dos filhos e para mudanças comportamentais que podem sinalizar angústia e sofrimento acentuados. É necessário que os pais se acalmem e transmitam a segurança de que conseguirão enfrentar e lidar com a pandemia. Embora questões práticas tenham a sua importância, conversar sobre sentimentos e dar espaço para a sua expressão são aspectos fundamentais neste momento. Os impactos de curto e médio prazos desta fase na saúde mental serão minimizados se estivermos conectados de forma verdadeira e profunda com pessoas significativas. E para se estabelecer conexão é necessário dedicação de tempo, energia e afeto. É um investimento que vale a pena.