Folha de São Paulo: Como envolver as crianças nas tarefas domésticas?


“Embora o momento seja difícil e desafiador, as famílias estão diante de uma excelente oportunidade para trabalhar a empatia e disseminar atitudes colaborativas”

Rosalina Moura, psicóloga

Por Rosane Queiroz ,
Folha de São Paulo, 06/06/2020

Pais em home office, crianças e adolescentes sem escola presencial e ajudantes domésticas ausentes. Com a nova rotina familiar imposta pela quarentena, as tarefas da casa se multiplicam e a divisão da limpeza e organização se torna ainda mais fundamental, diz a terapeuta familiar Rosalina Moura, especialista em estresse.

Para a terapeuta, embora o momento seja difícil e desafiador, as famílias estão diante de uma excelente oportunidade para disseminar atitudes colaborativas, defende ela. “Um aprendizado que devemos levar adiante em nossas vidas, mesmo depois que a crise passar”.


A relações públicas Amélia Whitaker, 42, com as filhas, Isabela (acima), 5, e Marcela, 8

A distribuição de tarefas deve levar em conta a faixa etária das crianças e as atividades diárias de cada uma delas. As muito pequenas, com 2 ou 3 anos, por exemplo, são capazes de guardar parte dos seus brinquedos e devem ser estimuladas a participar das tarefas à sua altura.

“Elas podem ajudar a tirar a mesa, auxiliar na cozinha, dobrar roupas, pendurar roupas em varal baixo. Em geral, as crianças pequenas se divertem ao ajudar, ainda mais quando o desafio é colocado de forma lúdica”, diz Rosalina.

A relações públicas Amélia Whitaker, 42, diz que as filhas Isabela, 5, e Marcela, 8, estão adorando ajudar. “No começo brigavam para ver quem ia ficar com a vassoura. Agora dividimos as tarefas. O importante nesse momento é ensinar que o que sujamos temos de limpar, fisicamente e espiritualmente”, afirma.

As meninas também participam na cozinha, preparando guloseimas, enquanto a mãe tenta tornar a atividade divertida como brincar de casinha.

A relações públicas Amélia Whitaker, 42, com as filhas, Isabela (acima), 5, e Marcela, 8

Inspirada por esse momento, a relações-públicas lançou o movimento #AlegriaSemPilha. A ideia é tirar as crianças dos eletrônicos, propondo atividades. Para isso, a relações públicas criou um livrinho com 21 brincadeiras, que disponibiliza, em formato PDF, via Whatsapp. Quem se interessar em receber o livrinho pode entrar em contato pelo instagram @ameliawhitaker.

Para a terapeuta Rosalina Moura, o ideal é delegar as tarefas mais simples inicialmente, e ir aumentando a quantidade e complexidade aos poucos, de acordo com as características e habilidades da criança. “Prefiro até mesmo não associar idade às tarefas, pois cada criança é diferente e se desenvolve em um ritmo próprio”, diz ela.

Vale também ficar atento para não subestimar ou superestimar a capacidade dos filhos. Com a participação nas tarefas, as crianças ganham mais autonomia de forma natural. “É importante que os pais não exijam perfeição e valorizem o interesse e esforço da criança”, sublinha a terapeuta.

Se a criança ou adolescente nunca cooperou em casa, essa introdução deve ser feita radativamente.

Rosalina Moura narra sua experiência com a própria filha, de 10 anos. “Ela passou a lavar roupas na máquina mediante minha orientação, estende no varal, lava uma parte da louça, arruma seu quarto e ajuda a preparar pratos simples na cozinha”, conta.

Aos poucos, conversando as duas foram descobrindo o que funciona melhor para cada uma na divisão de tarefas. “Procuro incluí-la nas decisões da rotina e das tarefas de cada dia, sendo flexível”, diz.

A dica prática principal é criar uma rotina, definir horários para as tarefas, e exibi-las por escrito em um quadro ou local visível na casa. Dependendo da quantidade de filhos é possível fazer um revezamento nas atividades, respeitando seus interesses, quando possível, de forma que seja justo com todos.

Para os mais velhos, o isolamento pode acabar sendo ainda mais difícil de enfrentar. Adolescentes podem minimizar os riscos do contágio e reagir com impulsividade e raiva ao isolamento e buscar refúgio nas telas e nas redes sociais. “Isso precisa ser monitorado pois pode afetar negativamente o humor e a saúde mental”, reforça a terapeuta.

Fazer com que todos entendam que determinadas tarefas precisam e devem ser cumpridas, é algo a ser trabalhado nas conversas em família durante esse período. “Regras e limites podem coexistir com afeto e participação na vida dos filhos”, sublinha.

Quanto aos adolescentes, além da inclusão nas tarefas comuns a todos, eles podem ficar responsáveis por organizar e limpar o seu quarto, cada um a seu tempo. “É preferível que os pais interfiram minimamente nesse espaço, exceto no que pode colocar em risco a sua saúde, como questões relacionadas à limpeza e higiene básica”, diz a terapeuta.

O diálogo é o caminho para deixar claro o papel de cada um. “É importante que haja tempo para a família fazer ao menos uma refeição junto”, sugere Rosalina.

Por fim, ela reforça que a dependência ou passividade dos filhos muitas vezes pode ser reforçada de forma inconsciente pelos pais, por meio de atitudes super protetoras.

“Todos estamos mais sensíveis emocionalmente. Portanto, é importante atentar para as necessidades e limites dos filhos. Embora questões práticas tenham sua importância, conversar sobre sentimentos e dar espaço para a expressão individual de cada membro da família são aspectos fundamentais neste momento”, diz a terapeuta.

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